Família de vítima da Covid que morreu dias após dar à luz processa Estado brasileiro
Lidiane Frazão teve sintomas ignorados e atendimento negado; seu caso pode ser a primeira ação judicial contra o governo brasileiro por uma morte materna relacionada ao coronavírus
A família de uma mulher que morreu de Covid-19 dias após dar à luz, no Rio de Janeiro, entrou com um processo contra o Estado brasileiro por negligência, erro médico e maus-tratos depois de ter o atendimento negado e os sintomas descartados como um possível caso do vírus.
Segundo o jornal britânico The Guardian, os responsáveis acreditam se tratar da primeira ação judicial contra o Estado brasileiro por uma morte materna relacionada à Covid. Outros casos de processo por negligência no atendimento e morte durante a pandemia já foram registrados no país.
A morte materna é caracterizada como o óbito da mulher durante ou até 42 dias após o término da gravidez, devido a qualquer causa relacionada ou agravada pela gestação. Diversos estudos mostraram que grávidas com Covid-19 têm risco aumentado de morte e problemas como nascimento prematuro e pré-eclâmpsia.
No início da pandemia, por exemplo, uma revisão sobre os casos registrados de morte materna por Covid-19, publicada na revista científica International Journal of Gynecology & Obstetrics, apontou que o Brasil liderava com cerca de 77,5% dos registros naquela época.
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Foi o caso de Lidiane Vieira Frazão que, aos 35 anos, morreu ainda nas primeiras semanas da crise sanitária. O caso, relatado no Guardian, teve início quando, com 40 semanas de gestação, Lidiane não conseguiu um atestado médico para iniciar sua licença-maternidade.
A moradora do Rio de Janeiro era agente funerária, ou seja, exercia uma função considerada “serviço essencial” e, por isso, não estava em isolamento. Mesmo sendo grupo de risco, Lidiane apenas conseguiu a licença poucos dias antes do parto. Com sintomas como coriza e taquicardia, ela buscou atendimento médico, mas conseguiu somente no segundo hospital que procurou.
Lá, a família de Lidiane diz que ela nunca foi testada para Covid-19. Ela realizou o parto de seu segundo filho, mas foi liberada depois para casa ainda com sintomas como dificuldade para respirar. Logo depois, voltou a procurar ajuda médica em outro hospital, mas somente depois de esperar 10 horas e com o estado já grave recebeu oxigênio.
Pouco depois, ela entrou em coma e, 22 dias depois do parto, faleceu. Agora, a família busca uma reparação do Estado brasileiro pela negligência. A ação judicial é movida contra a Prefeitura do Rio, que istra os hospitais federais por onde ela ou.
Ao The Guardian, a Prefeitura do Rio afirmou que os fatos ocorreram durante a gestão anterior, que “as equipes envolvidas já foram substituídas” e que vai colaborar com o Judiciário para “ajudar a esclarecer o caso”.
A mãe de Lidiane, Eny, de 69 anos, disse ao jornal britânica que a filha contou a ela “que foi maltratada no hospital” e relembra como a carioca planejava a gravidez do segundo filho:
— Quando não estava trabalhando, ela deitava bem aqui neste sofá, exatamente neste lugar, conversando com ele na barriga.
A ação judicial tem o apoio de um grupo de advogados, pesquisadores e ativistas, e foi idealizada pela antropóloga e professora da Universidade de Brasília (UnB), Débora Diniz. Ela, que coordena um grupo que estuda as causas da elevada mortalidade materna por Covid no Brasil, citou o negacionismo do governo Bolsonaro como um fator responsável.
Segundo disse ao The Guardian, Diniz acredita que o governo do então presidente da República falhou em “estabelecer políticas específicas” para gestantes, que já tinham o risco aumentado conhecido. Érika, de 37 anos, irmã de Lidiane, relembrou as falas de Bolsonaro na época em que Lidiane morreu:
— Uma coisa que nunca esqueci foi um vídeo, meses depois da morte da minha irmã, em que Bolsonaro aparece zombando de pessoas com falta de ar. Doeu muito, porque minha irmã chegou ao hospital exatamente assim.
A ação pede indenização e pensão vitalícia para a família, além do reconhecimento formal da responsabilidade do Estado pela morte. As falhas identificadas até agora pelo grupo são extensas, como o fato de Lidiane nunca ter sido identificada como uma gestante de alto risco.
Além disso, logo após o parto, Lidiane se queixou de falta de ar, mas os médicos teriam descartado os sintomas como “ansiedade” e mandado que ela procurasse um psiquiatra.
Para a família, houve ainda um componente racial no atendimento da carioca. Ao Guardian, Eny disse que, se a filha fosse branca, “isso nunca teria acontecido com ela”.
Érika afirmou ainda que “mulheres negras sempre são tratadas como se não sentíssemos dor ou como se fôssemos nervosas ou instáveis” em relação aos profissionais não terem levado seus sintomas a sério.