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opinião

Precisamos reaprender a escutar

Vivemos um tempo em que a palavra “diálogo” é repetida em discursos, entrevistas e campanhas, mas raramente levada a sério. O que mais se vê são embates disfarçados de conversa. A mídia virou palanque; as redes sociais, um campo de guerra simbólica. Em vez de tentar compreender, as pessoas querem vencer  e, de preferência, humilhar o outro no processo.

Recentemente, assisti a uma fala de Karen Armstrong, autora britânica respeitada por seus livros sobre religião comparada. Ex-freira católica, Armstrong percorreu um caminho que a levou de uma fé cristã conservadora a uma visão mais aberta, plural e mística. Ao refletir sobre a perda da escuta no Ocidente, ela foi certeira: não sabemos mais dialogar. O que chamamos de conversa, muitas vezes, é apenas uma disputa por atenção ou palco.

Ela tem razão. No mundo contemporâneo, apressado e repleto de certezas, os debates se tornaram rasos. O diálogo virou vaidade. Ninguém parece realmente disposto a escutar. Enquanto um fala, o outro já prepara a resposta, preocupado em ter a última palavra. Isso não é diálogo, é uma simulação de conversa, onde se espera apenas a vez de falar, sem ouvir de verdade.

Hoje, discordar já não basta: há quem queira ridicularizar, apagar o outro. É o chamado “cancelamento”. Isso transforma a linguagem em arma. E o resultado é a polarização, não só política, mas afetiva, simbólica, cultural.

O verdadeiro diálogo exige algo raro: humildade. Sócrates dizia que a sabedoria começa quando itimos que não sabemos tudo. Para ele, conversar era buscar a verdade com o outro — não contra ele. Um bom diálogo transforma, abre brechas, enfraquece certezas e isso é sinal de crescimento, não de fraqueza.

Também é preciso falar da escuta da dor. Em conflitos como o que envolve israelenses e palestinos, por exemplo, muitos se apressam em corrigir a versão do outro. Mas escutar não é concordar, é reconhecer que há ali uma ferida, uma memória, um sofrimento real, que precisa ser acolhido e respeitado antes de qualquer tentativa de mediação.

Talvez seja hora de propor algo mais radical: esquecer. Não no sentido de apagar o ado, mas de soltar certezas que viraram peso. Diante das muitas crises que enfrentamos — ambientais, sociais, espirituais — talvez seja preciso desaprender hábitos antigos para criar espaço para novas formas de pensar, falar e ouvir com mais leveza.

Reaprender a escutar é mais do que um gesto ético. É uma urgência. Num mundo em que todos falam, mas poucos ouvem, insistir nesse caminho nos prende à briga. O futuro, espero que haja um, começa com a escuta.


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